4 de agosto de 2009

Efêmera - Parte 2

Essa era a brincadeira deles: sacanear mendigo. Eles chamavam o ato de dar esperança temporária. O mendigo olhava faminto para a fruta oferecida e caminhava, como se estivesse hipnotizado, hipnotizado de fome, caminhava sem pensar, apenas se lançava em direção ao que lhe era oferecido, algo que poderia saciar seu apetite por alguns instantes. Mariana, a mais despojada das três meninas, estava ali, com o seu rosto passando seriedade, impassivo. Fria como o olhar de um chinês que opta em matar a filha recém-nascida, pois precisa de um menino pra poder ajudar no trabalho. Fria como a atitude dos responsáveis pela liberação do gás de ácido cianídrico nas câmeras dos campos de extermínio de Auschwitz-Birkenau. O mendigo fitava com água na boca o amarelo-banana. Às vezes Guto desacelerava, deixava o mendigo chegar bem próximo da banana, fazia isso só para provocar Mariana, fazia isto para ver se ela se assustava. Mariana só balançava a banana e repetia, docemente:
- Essa banana vai acabar com teu apetite, querido. Pode pegar, é tua. Vem aqui pegar.

De dez, sete mendigos sempre entravam na piada. De dez mendicantes, sete se sentiam tentados pela carnuda fruta de mentira e a fitavam com água na boca, figurativamente falando, e as seguia incansavelmente como o burro, que procurava abocanhar, sem pensar, a cenoura que foi pendurada numa varinha um pouco a frente de seus olhos, distante o suficiente para ele não alcançá-la. Os demais não se importavam, ou melhor, não caiam na tentação da fome. Na verdade alguns não tinham a mínima força para se movimentar, fracos, permaneciam jogados pelo chão, sem vida, num estado de debilidade muscular completo. Outros, mais vigorosos, recém-mendigos, simplesmente surtavam. De dez sem-abrigos, um sempre surtava. O “Yes Lazy” havia surtado. Surtou não porque notou o humor negro dos jovens. Surtou não porque se sentia injustiçado no país. Surtou não porque perdeu sua família fazia cinco anos exatamente naquele dia. O recém-mendigo surtou, pois estava com muita fome. O pai alcoólatra surtou, pois estava sóbrio e assim sentia novamente sensações fisiológicas comuns. O faminto sem-teto diante da banana de cera que não descascava. Surtou.

Um comentário:

anneanne disse...

cade a ressalva? oO